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O primeiro impacto da apuração dos votos de uma eleição com tantos cargos em disputa como tivemos no dia 2 de outubro, é a euforia dos eleitos, a tristeza dos derrotados, o lamento de quem chegou perto de uma vaga, a desolação de quem a perdeu. O segundo momento é o de analisar em detalhe o que disseram as urnas. Algo que sempre me chama atenção nessas horas é uma disputa escondida entre as regiões para garantir representação – umas das maiores distorções causadas pelo sistema que rege a eleição de deputados federais e estaduais.
Este ano, por exemplo, criciumenses e lageanos talvez não soubessem, mas disputaram diretamente algumas cadeiras parlamentares. O voto proporcional de lista aberta, com todos os candidatos buscando votos no Estado inteiro e a votação partidária como único critério de distribuição de vagas, premia as localidades com melhor estratégia na definição dos votos. Com cerca de 21 mil eleitores a menos, Lages precisou focar para não perder para Criciúma uma cadeira na Câmara dos Deputados e outra na Assembleia Legislativa. Conseguiu.
Para a vaga em Brasília, as deputadas federais Carmen Zanotto (Cidadania, de Lages) e Geovânia de Sá (Psdb, de Criciúma) disputavam o mesmo espaço, graças à federação formada por Cidadania e Psdb. As avaliações eram de que ambas teriam boas votações, mas que os demais candidatos da chapa não fariam votos suficientes para que as duas renovassem o mandato. Lages entendeu o recado e concentrou os votos para não perder a única cadeira na Câmara: deu 55,1% de seus votos, 49,8 mil para a lageana. Na abertura das urnas, essa foi praticamente a diferença de votos entre as duas parlamentares – 130,1 mil a 84,4 mil. Diga-se de passagem que o desempenho de ambas foi tão bom que quase conseguiram chegar à segunda cadeira. Faltaram 125 votos, que tirariam de Brasília um eleito do Alto Vale, Rafael Pezenti (Mdb).
O segundo confronto entre Criciúma e Lages foi imprevisível. Lucas Neves (Podemos, de Lages) foi eleito deputado estadual na última vaga em disputa, suplantando Acélio Casagrande (Psdb, de Criciúma). Não falo de votos, porque o tucano derrotado teve mais do que o lageano – 39 mil a 23 mil. A votação da chapa do Podemos superou a do Psdb na hora da divisão das sobras e a cadeira foi para Lucas. Mais 716 votos em quaisquer candidatos do Psdb ou do Cidadania e Acélio seria deputado.
Mas os eleitores lageanos também deram uma forcinha involuntária para que Criciúma mantivesse um deputado estadual. O Pdt reelegeu Rodrigo Minotto, ocupando a penúltima vaga em disputa. Mas isso só aconteceu porque o partido superou por muito pouco o patamar de 80% do quociente eleitoral, garantindo o direito de disputar as sobras – eram necessários 80 mil votos e a legenda fez 82,1 mil. Ou seja, se o eleitor de Lages não tivesse dado 3,3 mil votos ao candidato Toni Duarte (Pdt), Minotto perderia a cadeira.
Peço desculpas se entediei o leitor com cálculos que não foram feitos para eleitor algum entender. O voto proporcional não apenas cria disputas regionais invisíveis como afasta representantes e representados – já que estes geralmente não conseguem entender as lógicas que fazem voto virar cadeira parlamentar e nem a responsabilidade solidária que a escolha de uma candidato não eleito tem sobre quem alcançou a vitória.
O Brasil deveria discutir a sério a forma como elege seus parlamentares. É incabível ver regiões inteiras como pontos cegos de representação por uma falha de estratégia eleitoral. É imprescindível que o eleitor entenda o processo e identifique mais facilmente quem são seus representantes e como seu voto influenciou nessa decisão. O voto distrital – ou a variante distrital misto – é uma alternativa que precisa ser colocada na mesa, destrinchada, analisada. E isso tem que partir da sociedade, das entidades, dos setores organizados. Esperar que o Congresso Nacional mude espontaneamente o sistema que o elege, é esperar demais.
Por Upiara Boschi