Compartilhe
Com uma vantagem mínima nas urnas nacionais e ampla desvantagem em Santa Catarina, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, foi eleito para retornar ao cargo de presidente da República 12 anos depois do final de seu segundo mandato no cargo. Esse é um dado da realidade, com a qual terão que conviver todos os brasileiros, mesmo os 58,2 milhões que votaram pela reeleição do presidente Jair Bolsonaro, do PL.
Os primeiros movimentos da transição começam a dar linha do que esperar sobre essa terceira presidência sob comando do líder petista. Por isso, é bom relembrar os dois primeiros mandatos de Lula. Em 2003, única vez em que os catarinenses deram maioria a um candidato do PT, ele assumiu sob desconfiança dos mercados e forte crise econômica. Foi cauteloso na economia, mantendo o rumo praticado nas gestões do antecessor Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e importando um tucano, o banqueiro Henrique Meirelles, para comandar o Banco Central. O mundo queria saber se o zelo fiscal e o rigor no combate à inflação estariam na pauta de um governo petista e esse foi o recado dado.
A segunda presidência de Lula, embora marcada pela continuidade de uma reeleição, teve diferenças. O governo havia sido avariado pela crise do escândalo do Mensalão, que o fizeram perder o principal estrategista político, José Dirceu, e pela queda do ministro da Fazenda, Antônio Palocci – no episódio de abuso de poder na quebra do sigilo bancário do caseiro que denunciara presenças inconvenientes em uma mansão de Brasília.
Neste segundo mandato, marcado pelo crescimento econômico ficado no boom das commodities, Lula avançou programas sociais que fidelizaram boa parte do eleitorado e avançou em um discurso na linha Brasil grande, com atração de grandes eventos e anúncios de obras de infraestrutura por todo o país. O clima de otimismo foi fundamental para que ele conseguisse eleger a então ministra Dilma Rousseff, sem nenhuma experiência eleitoral e quase nenhum traquejo para lidar com os meandros da política.
Foi no governo Dilma que o governo petista ficou mais petista e avançou em uma agenda de Estado mais protagonista no desenvolvimento do país. Também foi no governo Dilma que a Operação Lava-Jato avançou e desnudou a promiscuidade das relações entre políticos e doadores de campanha. A ressaca da festa vivida nos anos Lula veio com força total. Não vou me alongar nos detalhes do que aconteceu depois – reeleição de Dilma no limite da responsabilidade fiscal, crise política do segundo mandato, o impeachment das pedaladas, governo Michel Temer, prisão de Lula, ascensão política de Bolsonaro.
É nesse contexto que Lula volta à presidência da República com 60,3 milhões de votos. Na campanha, buscou sinalizar ao centro e a eleitores que não eram petistas, mas não queriam Bolsonaro, que faria um governo mais amplo. O símbolo era o ex-adversário Geraldo Alckmin, ex-tucano, como candidato a vice-presidente. Na campanha em si, não se viu que a presença do ex-governador paulista tenha arrefecido resistências à volta de Lula ao poder em setores mais conservadores e, especialmente, no empresariado.
Após a eleição, no entanto, o papel central de Alckmin na coordenação de transição de governo, tem esse efeito. Quem ocupa os espaços, anuncia os nomes, é o ex-tucano. Até mesmo Bolsonaro, que não admitiu ainda a derrota eleitoral, chamou Alckmin para uma breve conversa no Palácio do Planalto. Esse é o papel que o vice-presidente eleito deve ter a partir de 2023, uma ponte entre os mundos intransponíveis, uma oportunidade para uma conversa institucional mínima que seja entre o Planalto e setores da sociedade que não dialogam mais com o petismo.
Em Santa Catarina, existem alguns Alckmins. De forma mais evidente, o candidato derrotado no segundo turno da disputa pelo governo, Décio Lima (PT), tem trânsito e sabe conversar. É uma aposta para o ministério, mesmo que em uma pasta na periferia do poder. Dário Berger, em fim de mandato no Senado, também é uma possibilidade – está no mesmo partido de Alckmin, o Psb. Completando o trio, mais discreto, o ex-deputado estadual Gelson Merisio (Solidariedade) foi um importante construtor do palanque de Lula em Santa Catarina. Um palanque que cumpriu suas missões: levar Décio ao segundo turno e reduzir a vantagem de Bolsonaro no Estado.
A existência de pontes é importante, mas a política também vive de gestos. O PT ganhou uma segunda chance que é rara na política. Especialmente em relação a Santa Catarina. A solidificação do antipetismo no Estado é uma obra construída no tempo e com ajuda dos próprios petistas locais. A escolha dos cargos federais no Estado é o momento em que será possível observar o que muda na relação do governo federal petista com Santa Catarina. As escolhas precisam ser muito melhores que as de 2003 a 2016.
Por Upiara Boschi
Jornalista e consultor do projeto Voz Única